Merdas sérias, a brincar e assim assim. Uma janela para uma realidade que não tem, necessariamente, de ser a tua. Qualquer coisinha, já sabes, avisa.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Um crime na Ota !!!

  Miguel  Sousa Tavares


Luís Campos e Cunha foi a primeira vítima a tombar em virtude desses

crimes em preparação que se chamam aeroporto da Ota e TGV. Não se pode

pedir a alguém que vem do mundo civil, sem nenhum passado político e com

um currículo profissional e académico prestigiado que arrisque o seu

nome e a sua credibilidade em defesa das políticas financeiras

impopulares do Governo e que, depois, fique calado a ver os outros a

anunciarem a festa e a deitarem os foguetes. Não se pode esperar que um

ministro das Finanças dê a cara pela subida do IVA e do IRS, pelo

aumento contínuo dos combustíveis e pelo congelamento de salários e

reformas, que defenda em Bruxelas a seriedade da política de combate ao

défice do Estado, e que, a seguir, assista em silêncio ao anúncio de uma

desbragada política de despesas públicas à medida dos interesses dos

caciques eleitorais do PS, da sua clientela e dos seus financiadores.

O afastamento do ministro das Finanças e a sua substituição por um homem

do aparelho socialista é mais do que um momento de descredibilização

deste Governo, de qualquer Governo. É pior e mais fundo: é um momento de

descrença, quase definitiva, na simples viabilidade deste país. É o

momento em que nos foi dito, para quem ainda alimentasse ilusões, que

não há políticas nacionais nem patrióticas, não há respeito do Estado

pelos contribuintes e pelos portugueses que querem trabalhar, criar

riqueza e viver fora da mama dos dinheiros públicos; há, simplesmente,

um conúbio indecoroso entre os dependentes do partido e os dependentes

do Estado. Quando oiço o actual ministro das Obras Públicas - um dos

vencedores deste sujo episódio - abrir a boca e anunciar em tom

displicente os milhões que se prepara para gastar, como se o dinheiro

fosse dele, dá-me vontade de me transformar em "off-shore", de

desaparecer no cadastro fiscal que eles querem agora tornar devassado,

de mudar de país, de regras e de gente.

Há anos que vimos assistindo, num crescendo de expectativas e de

perplexidade, ao anunciar desses projectos megalómanos que são o TGV e o

aeroporto da Ota. O mesmo país que, paulatinamente e desprezando os

avisos avulsos de quem se informou, foi desmantelando as linhas férreas

e o futuro do transporte ferroviário, os mesmos socialistas que, anos

atrás, gastaram 120 milhões de contos no projecto falhado dos comboios

pendulares, dão-nos agora como solução mágica um mapa de Portugal

rasgado de TGV de norte a sul. Mas a prova de que ninguém estudou

seriamente o assunto, de que ninguém sabe ao certo que necessidades

serão respondidas pelo TGV, é o facto de que, a cada Governo, a cada

ministro que muda, muda igualmente o mapa, o número de linhas e as

explicações fornecidas. E, enquanto o único percurso que é

economicamente incontestável - Lisboa-Porto - continua pendente de uma

solução global, propõem-nos que concordemos com a urgência de ligar
Aveiro

a Salamanca ou Faro a Huelva por TGV (quantos passageiros diários haverá

em média para irem de Faro a Huelva - três, cinco, sete mais o
maquinista?).

Quanto ao aeroporto da Ota, eufemisticamente baptizado de Novo Aeroporto

Internacional de Lisboa, trata-se de um autêntico crime de delapidação

de património público, um assalto e um insulto aos pagadores de

impostos. Conforme já foi suficientemente explicado e suficientemente

entendido por quem esteja de boa-fé, a Ota é inútil, desnecessário e

prejudicial aos utentes do aeroporto de Lisboa. E, como o embuste já

estava a ficar demasiadamente exposto e desmascarado, o Governo Sócrates

tratou de o anunciar rapidamente e em definitivo, da forma lapidar

explicada pelo ministro das Obras Públicas: está tomada a decisão

política, agora vamos realizar os estudos.

Mas tudo aquilo que importa saber já se sabe e resulta de simples senso

comum:

- basta olhar para o céu e comparar com outros aeroportos para perceber

que a Portela não está saturada, nem se vê quando o venha a estar, tanto

mais que o futuro passa não por mais aviões, mas por maiores aviões;

- em complemento à Portela, existe o Montijo e, ao lado dela, existe uma

outra pista, já construída, perfeitamente operacional e que é uma

extensão natural das pistas da Portela, que é o aeroporto militar de

Alverca - para onde podem ser desviadas todas as "low cost", que não

querem pagar as taxas da Portela e menos ainda quererão pagar as da Ota;

- porque a Portela não está saturada, aí têm sido gastos rios de

dinheiro nos últimos anos e, mesmo agora, anuncia-se, com o maior dos

desplantes, que serão investidos mais meio bilião de euros, a título de

"assistência a um doente terminal", enquanto a Ota não é feita;

- os "prejuízos ambientais", decorrentes do ruído que, segundo o

ministro Mário Lino, afectam a Portela são uma completa demagogia, já

que pressupõem não prejuízos actuais, mas sim futuros e resultantes de

se permitir a urbanização na zona de protecção do aeroporto;

- a deslocação do aeroporto de Lisboa para cerca de 40 quilómetros de

distância retirará à cidade uma vantagem comercial decisiva e

acrescentará despesas, consumo de combustíveis, problemas de trânsito na

A1 e perda de tempo à esmagadora maioria dos utentes do aeroporto, com o

correspondente enriquecimento dos especuladores de terrenos na zona da

Ota, empreiteiros de obras públicas e a muito especial confraria dos

taxistas do aeroporto.

O negócio do aeroporto é tão obviamente escandaloso que não se percebe

que os candidatos à Câmara de Lisboa não façam disso a sua bandeira de

combate eleitoral e que, à excepção de Carmona Rodrigues, ainda nem

sequer se tenham manifestado contra. Carrilho já se sabe que não pode,

sob pena de enfrentar o aparelho socialista e os interesses a ele

associados, mas os outros têm obrigação de se manifestarem forte e feio

contra esta coisa impensável de uma capital se ver roubada do seu

aeroporto para facilitar negócios particulares outorgados pelo Estado.

A Ota e o TGV, que fizeram cair o ministro Campos e Cunha, são um

exemplo eloquente daquilo que ele denunciou como os investimentos

públicos sem os quais o país fica melhor. Como o Alqueva, à beira de se

transformar, como eu sempre previ, num lago para regadio de campos de

golfe e urbanizações turísticas, ou os pendulares do ex-ministro João

Cravinho, ou os estádios do Euro, esse "desígnio nacional", como lhe

chamou Jorge Sampaio, e tão entusiasticamente defendido pelo então

ministro José Sócrates. Os piedosos ou os muito bem intencionados dirão

que é lamentável que não se aprenda com os erros do passado. Eu, por mim,

confesso que já não consigo acreditar nas boas intenções e nos erros de

boa-fé. Foi dito, escrito e gritado, que, dos dez estádios do Euro, não

mais de três ou quatro teriam ocupação ou justificação futura. Não

quiseram ouvir, chamaram-nos "velhos do Restelo" em luta contra o

"progresso". Agora, os mesmos que levaram avante tal "desígnio nacional",

olham para os estádios de Braga, Bessa, Aveiro, Coimbra, Leiria e Faro,

transformados em desertos de betão e num encargo camarário insustentável,

e propõem-nos um TGV de Faro para Huelva e um inútil aeroporto para

servir pior os seus utilizadores, e querem que acreditemos que é tudo a

bem da nação?

Não, já não dá para acreditar. O pior que vocês imaginam é mesmo aquilo

que vêem. Este país não tem saída. Tudo se faz e se repete impunemente,

com cada um a tratar de si e dos seus interesses, a defender o seu lobby

ou a sua corporação, o seu direito a 60 dias de férias, a reformar-se

aos 50 anos ou a sacar do Estado consultorias de milhares de contos ou

empreitadas de milhões. E os idiotas que paguem cada vez mais impostos

para sustentar tudo isto. Chega, é demais! Jornalista

1 Comments:

Blogger nc diz...

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6:37 da manhã

 

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