Um crime na Ota !!!
Miguel Sousa Tavares
Luís Campos e Cunha foi a primeira vítima a tombar em virtude desses
crimes em preparação que se chamam aeroporto da Ota e TGV. Não se pode
pedir a alguém que vem do mundo civil, sem nenhum passado político e com
um currículo profissional e académico prestigiado que arrisque o seu
nome e a sua credibilidade em defesa das políticas financeiras
impopulares do Governo e que, depois, fique calado a ver os outros a
anunciarem a festa e a deitarem os foguetes. Não se pode esperar que um
ministro das Finanças dê a cara pela subida do IVA e do IRS, pelo
aumento contínuo dos combustíveis e pelo congelamento de salários e
reformas, que defenda em Bruxelas a seriedade da política de combate ao
défice do Estado, e que, a seguir, assista em silêncio ao anúncio de uma
desbragada política de despesas públicas à medida dos interesses dos
caciques eleitorais do PS, da sua clientela e dos seus financiadores.
O afastamento do ministro das Finanças e a sua substituição por um homem
do aparelho socialista é mais do que um momento de descredibilização
deste Governo, de qualquer Governo. É pior e mais fundo: é um momento de
descrença, quase definitiva, na simples viabilidade deste país. É o
momento em que nos foi dito, para quem ainda alimentasse ilusões, que
não há políticas nacionais nem patrióticas, não há respeito do Estado
pelos contribuintes e pelos portugueses que querem trabalhar, criar
riqueza e viver fora da mama dos dinheiros públicos; há, simplesmente,
um conúbio indecoroso entre os dependentes do partido e os dependentes
do Estado. Quando oiço o actual ministro das Obras Públicas - um dos
vencedores deste sujo episódio - abrir a boca e anunciar em tom
displicente os milhões que se prepara para gastar, como se o dinheiro
fosse dele, dá-me vontade de me transformar em "off-shore", de
desaparecer no cadastro fiscal que eles querem agora tornar devassado,
de mudar de país, de regras e de gente.
Há anos que vimos assistindo, num crescendo de expectativas e de
perplexidade, ao anunciar desses projectos megalómanos que são o TGV e o
aeroporto da Ota. O mesmo país que, paulatinamente e desprezando os
avisos avulsos de quem se informou, foi desmantelando as linhas férreas
e o futuro do transporte ferroviário, os mesmos socialistas que, anos
atrás, gastaram 120 milhões de contos no projecto falhado dos comboios
pendulares, dão-nos agora como solução mágica um mapa de Portugal
rasgado de TGV de norte a sul. Mas a prova de que ninguém estudou
seriamente o assunto, de que ninguém sabe ao certo que necessidades
serão respondidas pelo TGV, é o facto de que, a cada Governo, a cada
ministro que muda, muda igualmente o mapa, o número de linhas e as
explicações fornecidas. E, enquanto o único percurso que é
economicamente incontestável - Lisboa-Porto - continua pendente de uma
solução global, propõem-nos que concordemos com a urgência de ligar
Aveiro
a Salamanca ou Faro a Huelva por TGV (quantos passageiros diários haverá
em média para irem de Faro a Huelva - três, cinco, sete mais o
maquinista?).
Quanto ao aeroporto da Ota, eufemisticamente baptizado de Novo Aeroporto
Internacional de Lisboa, trata-se de um autêntico crime de delapidação
de património público, um assalto e um insulto aos pagadores de
impostos. Conforme já foi suficientemente explicado e suficientemente
entendido por quem esteja de boa-fé, a Ota é inútil, desnecessário e
prejudicial aos utentes do aeroporto de Lisboa. E, como o embuste já
estava a ficar demasiadamente exposto e desmascarado, o Governo Sócrates
tratou de o anunciar rapidamente e em definitivo, da forma lapidar
explicada pelo ministro das Obras Públicas: está tomada a decisão
política, agora vamos realizar os estudos.
Mas tudo aquilo que importa saber já se sabe e resulta de simples senso
comum:
- basta olhar para o céu e comparar com outros aeroportos para perceber
que a Portela não está saturada, nem se vê quando o venha a estar, tanto
mais que o futuro passa não por mais aviões, mas por maiores aviões;
- em complemento à Portela, existe o Montijo e, ao lado dela, existe uma
outra pista, já construída, perfeitamente operacional e que é uma
extensão natural das pistas da Portela, que é o aeroporto militar de
Alverca - para onde podem ser desviadas todas as "low cost", que não
querem pagar as taxas da Portela e menos ainda quererão pagar as da Ota;
- porque a Portela não está saturada, aí têm sido gastos rios de
dinheiro nos últimos anos e, mesmo agora, anuncia-se, com o maior dos
desplantes, que serão investidos mais meio bilião de euros, a título de
"assistência a um doente terminal", enquanto a Ota não é feita;
- os "prejuízos ambientais", decorrentes do ruído que, segundo o
ministro Mário Lino, afectam a Portela são uma completa demagogia, já
que pressupõem não prejuízos actuais, mas sim futuros e resultantes de
se permitir a urbanização na zona de protecção do aeroporto;
- a deslocação do aeroporto de Lisboa para cerca de 40 quilómetros de
distância retirará à cidade uma vantagem comercial decisiva e
acrescentará despesas, consumo de combustíveis, problemas de trânsito na
A1 e perda de tempo à esmagadora maioria dos utentes do aeroporto, com o
correspondente enriquecimento dos especuladores de terrenos na zona da
Ota, empreiteiros de obras públicas e a muito especial confraria dos
taxistas do aeroporto.
O negócio do aeroporto é tão obviamente escandaloso que não se percebe
que os candidatos à Câmara de Lisboa não façam disso a sua bandeira de
combate eleitoral e que, à excepção de Carmona Rodrigues, ainda nem
sequer se tenham manifestado contra. Carrilho já se sabe que não pode,
sob pena de enfrentar o aparelho socialista e os interesses a ele
associados, mas os outros têm obrigação de se manifestarem forte e feio
contra esta coisa impensável de uma capital se ver roubada do seu
aeroporto para facilitar negócios particulares outorgados pelo Estado.
A Ota e o TGV, que fizeram cair o ministro Campos e Cunha, são um
exemplo eloquente daquilo que ele denunciou como os investimentos
públicos sem os quais o país fica melhor. Como o Alqueva, à beira de se
transformar, como eu sempre previ, num lago para regadio de campos de
golfe e urbanizações turísticas, ou os pendulares do ex-ministro João
Cravinho, ou os estádios do Euro, esse "desígnio nacional", como lhe
chamou Jorge Sampaio, e tão entusiasticamente defendido pelo então
ministro José Sócrates. Os piedosos ou os muito bem intencionados dirão
que é lamentável que não se aprenda com os erros do passado. Eu, por mim,
confesso que já não consigo acreditar nas boas intenções e nos erros de
boa-fé. Foi dito, escrito e gritado, que, dos dez estádios do Euro, não
mais de três ou quatro teriam ocupação ou justificação futura. Não
quiseram ouvir, chamaram-nos "velhos do Restelo" em luta contra o
"progresso". Agora, os mesmos que levaram avante tal "desígnio nacional",
olham para os estádios de Braga, Bessa, Aveiro, Coimbra, Leiria e Faro,
transformados em desertos de betão e num encargo camarário insustentável,
e propõem-nos um TGV de Faro para Huelva e um inútil aeroporto para
servir pior os seus utilizadores, e querem que acreditemos que é tudo a
bem da nação?
Não, já não dá para acreditar. O pior que vocês imaginam é mesmo aquilo
que vêem. Este país não tem saída. Tudo se faz e se repete impunemente,
com cada um a tratar de si e dos seus interesses, a defender o seu lobby
ou a sua corporação, o seu direito a 60 dias de férias, a reformar-se
aos 50 anos ou a sacar do Estado consultorias de milhares de contos ou
empreitadas de milhões. E os idiotas que paguem cada vez mais impostos
para sustentar tudo isto. Chega, é demais! Jornalista
crimes em preparação que se chamam aeroporto da Ota e TGV. Não se pode
pedir a alguém que vem do mundo civil, sem nenhum passado político e com
um currículo profissional e académico prestigiado que arrisque o seu
nome e a sua credibilidade em defesa das políticas financeiras
impopulares do Governo e que, depois, fique calado a ver os outros a
anunciarem a festa e a deitarem os foguetes. Não se pode esperar que um
ministro das Finanças dê a cara pela subida do IVA e do IRS, pelo
aumento contínuo dos combustíveis e pelo congelamento de salários e
reformas, que defenda em Bruxelas a seriedade da política de combate ao
défice do Estado, e que, a seguir, assista em silêncio ao anúncio de uma
desbragada política de despesas públicas à medida dos interesses dos
caciques eleitorais do PS, da sua clientela e dos seus financiadores.
O afastamento do ministro das Finanças e a sua substituição por um homem
do aparelho socialista é mais do que um momento de descredibilização
deste Governo, de qualquer Governo. É pior e mais fundo: é um momento de
descrença, quase definitiva, na simples viabilidade deste país. É o
momento em que nos foi dito, para quem ainda alimentasse ilusões, que
não há políticas nacionais nem patrióticas, não há respeito do Estado
pelos contribuintes e pelos portugueses que querem trabalhar, criar
riqueza e viver fora da mama dos dinheiros públicos; há, simplesmente,
um conúbio indecoroso entre os dependentes do partido e os dependentes
do Estado. Quando oiço o actual ministro das Obras Públicas - um dos
vencedores deste sujo episódio - abrir a boca e anunciar em tom
displicente os milhões que se prepara para gastar, como se o dinheiro
fosse dele, dá-me vontade de me transformar em "off-shore", de
desaparecer no cadastro fiscal que eles querem agora tornar devassado,
de mudar de país, de regras e de gente.
Há anos que vimos assistindo, num crescendo de expectativas e de
perplexidade, ao anunciar desses projectos megalómanos que são o TGV e o
aeroporto da Ota. O mesmo país que, paulatinamente e desprezando os
avisos avulsos de quem se informou, foi desmantelando as linhas férreas
e o futuro do transporte ferroviário, os mesmos socialistas que, anos
atrás, gastaram 120 milhões de contos no projecto falhado dos comboios
pendulares, dão-nos agora como solução mágica um mapa de Portugal
rasgado de TGV de norte a sul. Mas a prova de que ninguém estudou
seriamente o assunto, de que ninguém sabe ao certo que necessidades
serão respondidas pelo TGV, é o facto de que, a cada Governo, a cada
ministro que muda, muda igualmente o mapa, o número de linhas e as
explicações fornecidas. E, enquanto o único percurso que é
economicamente incontestável - Lisboa-Porto - continua pendente de uma
solução global, propõem-nos que concordemos com a urgência de ligar
Aveiro
a Salamanca ou Faro a Huelva por TGV (quantos passageiros diários haverá
em média para irem de Faro a Huelva - três, cinco, sete mais o
maquinista?).
Quanto ao aeroporto da Ota, eufemisticamente baptizado de Novo Aeroporto
Internacional de Lisboa, trata-se de um autêntico crime de delapidação
de património público, um assalto e um insulto aos pagadores de
impostos. Conforme já foi suficientemente explicado e suficientemente
entendido por quem esteja de boa-fé, a Ota é inútil, desnecessário e
prejudicial aos utentes do aeroporto de Lisboa. E, como o embuste já
estava a ficar demasiadamente exposto e desmascarado, o Governo Sócrates
tratou de o anunciar rapidamente e em definitivo, da forma lapidar
explicada pelo ministro das Obras Públicas: está tomada a decisão
política, agora vamos realizar os estudos.
Mas tudo aquilo que importa saber já se sabe e resulta de simples senso
comum:
- basta olhar para o céu e comparar com outros aeroportos para perceber
que a Portela não está saturada, nem se vê quando o venha a estar, tanto
mais que o futuro passa não por mais aviões, mas por maiores aviões;
- em complemento à Portela, existe o Montijo e, ao lado dela, existe uma
outra pista, já construída, perfeitamente operacional e que é uma
extensão natural das pistas da Portela, que é o aeroporto militar de
Alverca - para onde podem ser desviadas todas as "low cost", que não
querem pagar as taxas da Portela e menos ainda quererão pagar as da Ota;
- porque a Portela não está saturada, aí têm sido gastos rios de
dinheiro nos últimos anos e, mesmo agora, anuncia-se, com o maior dos
desplantes, que serão investidos mais meio bilião de euros, a título de
"assistência a um doente terminal", enquanto a Ota não é feita;
- os "prejuízos ambientais", decorrentes do ruído que, segundo o
ministro Mário Lino, afectam a Portela são uma completa demagogia, já
que pressupõem não prejuízos actuais, mas sim futuros e resultantes de
se permitir a urbanização na zona de protecção do aeroporto;
- a deslocação do aeroporto de Lisboa para cerca de 40 quilómetros de
distância retirará à cidade uma vantagem comercial decisiva e
acrescentará despesas, consumo de combustíveis, problemas de trânsito na
A1 e perda de tempo à esmagadora maioria dos utentes do aeroporto, com o
correspondente enriquecimento dos especuladores de terrenos na zona da
Ota, empreiteiros de obras públicas e a muito especial confraria dos
taxistas do aeroporto.
O negócio do aeroporto é tão obviamente escandaloso que não se percebe
que os candidatos à Câmara de Lisboa não façam disso a sua bandeira de
combate eleitoral e que, à excepção de Carmona Rodrigues, ainda nem
sequer se tenham manifestado contra. Carrilho já se sabe que não pode,
sob pena de enfrentar o aparelho socialista e os interesses a ele
associados, mas os outros têm obrigação de se manifestarem forte e feio
contra esta coisa impensável de uma capital se ver roubada do seu
aeroporto para facilitar negócios particulares outorgados pelo Estado.
A Ota e o TGV, que fizeram cair o ministro Campos e Cunha, são um
exemplo eloquente daquilo que ele denunciou como os investimentos
públicos sem os quais o país fica melhor. Como o Alqueva, à beira de se
transformar, como eu sempre previ, num lago para regadio de campos de
golfe e urbanizações turísticas, ou os pendulares do ex-ministro João
Cravinho, ou os estádios do Euro, esse "desígnio nacional", como lhe
chamou Jorge Sampaio, e tão entusiasticamente defendido pelo então
ministro José Sócrates. Os piedosos ou os muito bem intencionados dirão
que é lamentável que não se aprenda com os erros do passado. Eu, por mim,
confesso que já não consigo acreditar nas boas intenções e nos erros de
boa-fé. Foi dito, escrito e gritado, que, dos dez estádios do Euro, não
mais de três ou quatro teriam ocupação ou justificação futura. Não
quiseram ouvir, chamaram-nos "velhos do Restelo" em luta contra o
"progresso". Agora, os mesmos que levaram avante tal "desígnio nacional",
olham para os estádios de Braga, Bessa, Aveiro, Coimbra, Leiria e Faro,
transformados em desertos de betão e num encargo camarário insustentável,
e propõem-nos um TGV de Faro para Huelva e um inútil aeroporto para
servir pior os seus utilizadores, e querem que acreditemos que é tudo a
bem da nação?
Não, já não dá para acreditar. O pior que vocês imaginam é mesmo aquilo
que vêem. Este país não tem saída. Tudo se faz e se repete impunemente,
com cada um a tratar de si e dos seus interesses, a defender o seu lobby
ou a sua corporação, o seu direito a 60 dias de férias, a reformar-se
aos 50 anos ou a sacar do Estado consultorias de milhares de contos ou
empreitadas de milhões. E os idiotas que paguem cada vez mais impostos
para sustentar tudo isto. Chega, é demais! Jornalista
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6:37 da manhã
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