Merdas sérias, a brincar e assim assim. Uma janela para uma realidade que não tem, necessariamente, de ser a tua. Qualquer coisinha, já sabes, avisa.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Sobre os cartoons da discórdia

Teresa de Sousa escreve hoje no Público, isto:

«(...) É difícil de admitir que doze cartoons publicados num jornal dinamarquês em Setembro do ano passado possam justificar esta violência, mesmo que possam ter causado a indignação genuína de muitos muçulmanos. (...)
Mas é fácil de admitir que, depois dos atentados terroristas cometidos em solo europeu em nome de Alá e do seu profeta, estas imagens alimentem a islamofobia na opinião pública europeia. A questão excede, em muito, o debate sob a liberdade de imprensa.
A manifestação de Londres pode não ter tido mais do que poucas centenas de pessoas. As de Beirute reuniram algumas centenas largas de jovens descarregados na praça da cidade por carrinhas e camionetas. Provavelmente, foram orquestradas pela Síria. O Irão, no seu braço-de-ferro "nuclear" com a comunidade internacional, deita achas para a fogueira, ameaçando com o boicote aos produtos e às empresas europeias. Na Palestina, depois da vitória do Hamas, a fúria dos manifestantes vira-se contra as representações da UE e dinamarquesas.
Basta pensar dois minutos para entender até que ponto o que vemos é em grande medida o resultado da manipulação política dos sentimentos religiosos de muita gente pelo islamismo radical e pelos governos ditatoriais e teocráticos do mundo islâmico. Os mesmos dois minutos chegam para se concluir que, ofendidos ou não pelas caricaturas do profeta, milhões de muçulmanos não partilham do mesmo sentimento de vingança e de ódio, que muitos têm opiniões diferentes que sabem que não podem exprimir em voz alta, sob pena de repressão violenta.
(...) Se não fossem os cartoons, seria outra coisa qualquer a desencadear a aparente indignação do mundo islâmico contra a islamofobia ocidental. Outros episódios haverá com as mesmas consequências. (...)
Há um problema sério no mundo islâmico de percepção do mundo ocidental, que a globalização e o terrorismo islamista, com a resposta da "guerra ao terror", vieram agravar. Há um sentimento real de frustração e de humilhação em relação ao Ocidente e essa é uma questão que preocupa muito justamente a Europa, onde vive hoje uma larga minoria islâmica. Essa preocupação está na base dos seus esforços para promover a tolerância e a compreensão entre civilizações, bem como das suas políticas de cooperação e de ajuda ao mundo árabe. Mas ceder à chantagem e à ameaça, contemporizar e justificar a demência fundamentalista antiocidental ou o arbítrio e a brutalidade de alguns regimes árabes será sempre a melhor forma de alimentar as suas ideologias e de manter aprisionadas as sociedades que dominam.
Haverá uma forma de racismo mais ultrajante do que a nossa complacência? A aceitação de que os valores que entendemos como universais são afinal fruto exclusivo da nossa cultura e da nossa riqueza, não são valores a que podem aspirar e pelos quais têm o direito de lutar todos os povos do mundo? (...)»

[Teresa de Sousa, Público]