Merdas sérias, a brincar e assim assim. Uma janela para uma realidade que não tem, necessariamente, de ser a tua. Qualquer coisinha, já sabes, avisa.

quinta-feira, julho 01, 2004

A oposição a tentar tirar dividendos políticos

1. Esta crise política foi completamente inesperada.(...) : deveu-se a uma decisão de um homem, que introduziu efeitos de profunda perturbação na vida política portuguesa. O homem foi-se embora, os efeitos estão connosco.(...)

8. (...)Eu não votei nas últimas legislativas no Governo que aí vem. Eu não votei nas últimas legislativas numa coligação PSD-PP, muito menos num governo PPD-PP. Eu não apoiei Durão Barroso para me sair Santana Lopes. O voto, mesmo para os intelectuais e “comentaristas”, como se diz agora com desprezo, não tem nenhuma sofisticação especial. O voto, aliás, tem essa virtude de ser simples e inequívoco, uma escolha. E eu, como muita gente no PSD e no país, nunca fiz a que agora me querem impor. Este é o “golpe de Estado” de que fala Manuela Ferreira Leite. Tem a ver com a substância, não com os estatutos.

9. Qual é o problema de Santana Lopes?(...)

10. (...)A palavra “populismo” é correcta para caracterizar a sua acção política, embora ela já seja usada de forma tão genérica que parece que são populistas todos os que ganham eleições. O seu populismo vê-se no conjunto de toda a sua acção política, desde a Secretaria de Estado da Cultura e nas funções políticas e autárquicas que exerceu, e quase sempre com os mesmos resultados: pouca obra, muito espectáculo, clientelas pessoais dedicadas, alimentadas com benesses dirigidas a alvos muito específicos, de preferência escolhendo sectores mais vocais (como no caso do teatro), habilidade comunicacional associada a um investimento muito cuidado na comunicação social, no marketing, na publicidade, nenhuma correlação entre o dinheiro gasto e a obra realizada. No meio de tudo isto, uma forte personalização da acção política, apoiada essencialmente na televisão, onde Santana Lopes sabe que os “apareçómetros” são transformados em “barómetros”.

11.O problema do populismo é que gera mau governo. Os populistas governam mal, e não é por razões conjunturais, é por razões estruturais: o seu populismo impele-os para políticas espectaculares, pouco consistentes e normalmente caras. Um exemplo típico do que estou a dizer é o caso do Parque Mayer, onde todos os defeitos de uma governação populista emergem com clareza. Santana Lopes prometeu em campanha que iria renovar o parque Mayer e devolvê-lo à cidade, assente num investimento no teatro de revista, destinado a “salvá-lo” da extinção. Pode-se pôr em causa o gosto de Santana Lopes por uma forma de teatro popular, que conheceu um processo de decadência natural e de mudança de públicos, ou de novo a lógica clientelar no teatro, mas não é preciso sequer ir por aí.

12. A sucessão do que se passou diz tudo sobre o “modus operandi” de Santana Lopes. Em Março de 2002, garantia ao “Correio da Manhã” que o “Parque Mayer estará a funcionar em Agosto”. Depois, nesse Setembro, com base no projecto do arquitecto Norman Foster, que haveria um novo Parque Mayer em 2004. Depois, apareceu a hipótese do jogo, do casino, e novo anúncio em Outubro de que as obras começariam em Dezembro de 2002. Depois, começou a saga do casino. O casino pagaria a renovação do Parque Mayer, mas depois verificou-se que havia mil e uma dificuldades urbanísticas e legais. O casino afinal ia ser “enterrado” no parque, em Fevereiro de 2003, e iria para o Cais do Sodré em Abril de 2003, e depois para a Feira Popular. Saliente-se que grande parte destes anúncios, com títulos de caixa alta, é do próprio Santana Lopes. Ainda não está em lado nenhum.

13. De repente, e num gesto muito típico do populismo, Santana Lopes tira do bolso a decisão de ir buscar o arquitecto Frank Ghery. Como dizia a “Visão”, Ghery foi o “pacificador” e os nossos intelectuais e artistas calaram-se, como habitualmente acontece quando se gasta dinheiro e se fazem coisas emblemáticas do seu (deles) valor simbólico. Em finais de 2002, Santana anuncia a contratação de Frank Ghery e o projecto para Maio de 2003. Ninguém fez a pergunta óbvia: onde é que se ia buscar dinheiro? Se tivessem ido ao Guggenheim de Bilbau, mesmo que fosse só de fora, teriam alguma dúvida de que as espectaculares esculturas urbanas do arquitecto seriam outra coisa que caríssimas? Em Abril de 2003, já o que se sabia do projecto de Ghery contrariava tudo o que fora dito, e as promessas inicias de Santana Lopes. Já os teatros afinal podiam ir para a Feira Popular, o Casino idem. “Custos elevados do projecto impedem a fixação de lojas e escritórios”, escrevia a “Capital”. Depois, finalmente, descobriu-se que o projecto de Frank Ghery era caro. Em Outubro de 2003, titula a “Capital” “Santana Lopes sem dinheiro para arquitecto”. Hoje, em Junho de 2004, continua tudo bloqueado.

14. Tudo o que caracteriza uma política populista está aqui retratado: decisões pessoais erráticas, apoiadas mais na necessidade de fazer anúncios à imprensa ou contrariar opositores do que no estudo dos problemas, encomendas apressadas, mudanças de última hora, encravamento geral de todo o processo por falta de atenção às condições legais e financeiras. Alguém tem uma ideia de quanto tudo isto já custou ao Município de Lisboa, sem qualquer resultado palpável? Certamente muitos milhões. O resultado vai ser a mais cara fotografia jamais feita em Portugal, a que ilustra o livro de Santana Lopes sobre a “cultura”, Santana Lopes e Ghery mudando Lisboa. É assim que eu não quero que Portugal venha a ser governado. É assim que o será? Não sei. Está escrito nas estrelas.


Confesso que jamais me passaria pela cabeça algum dia pensar que poderia vir a concordar com meia dúzia de parágrafos escritos pelo Pacheco Pereira, tirando aqui e ali, algumas ideias pontuais, acho que é a primeira vez que concordo com tanto texto escrito por ele.
É. Foi mesmo ele que escreveu isto.